13 de mai. de 2010

Crítica: Sherlock Holmes

Os detratores reclamam que "esse não é o Sherlock Holmes que eu conheço". Fato. Não é. Mas em tempos em que personagens como Batman, Superman e Wolverine são adaptados para os gostos modernos e até a Elizabeth de Jane Austen enfrenta zumbis, já estava mais do que na hora da imortal criação de sir Arthur Conan Doyle (1859-1930) ser repaginada.

Nascido em 1887 na revista Beeton's Christmas Annual, o personagem teve suas características exploradas aos poucos pelo criador. A cada aventura, uma nova faceta de Holmes era revelada. O filme de Guy Ritchie (Rocknrolla, Snatch) seleciona as mais aventurescas - como o apreço pela prática do boxe - e dá ao herói vitoriano um novo perfil. Desaparece, portanto, a figura sisuda consagrada na série de televisão britânica da década de 1950 e filmes da mesma época, dando lugar a um Sherlock Holmes mais adequado ao zeitgeist de 2010. Até o violino ganha novas funções no longa-metragem moderno.

Apesar de adequar-se ao que se espera de uma aventura atual, o texto, baseado em uma HQ inédita de Lionel Wigram e escrito a seis mãos por Michael Robert Johnson, Anthony Peckham e Simon Kinberg, consegue evitar algumas manias correntes. Não estabelece a famosa "história de origem", por exemplo. O filme começa apenas apresentando a relação entre Holmes e Watson, vividos de maneira divertida por Robert Downey Jr. e Jude Law, e o novo tom do personagem. Nada do famigerado primeiro encontro da dupla, ou de buscar os "por quês" de suas manias e habilidades. Holmes é Holmes e pronto. O que importa é o suspense e como ele emprega essas características.
Na trama, Lorde Blackwood (o onipresente Mark Strong) foi apanhado pelo detetive e a Scotland Yard prestes a cometer um crime - o sacrifício de uma garota em um ritual de magia negra. Com sua condenação à morte, finalmente a assustada Londres pode respirar aliviada... até que Blackwood ressuscita, com um plano ainda mais maligno. Enquanto isso, Holmes tem que lidar com uma antiga rival, Irene Adler (Rachel McAdams), que também surge sem aviso.

Ritchie parece divertir-se com as possibilidades que Holmes apresenta. Suas habilidades físicas e de raciocínio lógico são combustível para invencionices de estilo cinematográfico, como as bacaníssimas câmeras lentas que antecedem as ações calculadas do detetive. O diálogo é veloz, afiado e bem-humorado, especialmente os de Holmes e Watson - basicamente, Guy Ritchie fazendo o que faz melhor. Tudo, claro, acompanhado por uma trilha sonora inusitada de Hans Zimmer, outra das marcas do cineasta.

Sherlock Holmes, porém, peca por sua própria ambição. É visível o desespero de agradar, de tornar este não um bom filme, mas uma lucrativa franquia. Sobram assim momentos grandiosos, como a exagerada cena do navio, completamente desnecessária dentro da trama e quase um clímax antecipado. O gigante francês que Holmes enfrenta, afinal, já estava vencido e a sequência não se presta a nada além de mostrar destruição em larga escala. As inúmeras tomadas amplas de Londres, calculadamente criadas a fim de impressionar pela recriação histórica, também são desnecessárias. É tanto efeito especial que a paleta acaba tendo que ser escurecida, para esconder problemas técnicos.

O desfecho, devidamente explicadinho a la Scooby-Doo, expõe igualmente a necessidade de abrangência de público (ninguém quer se sentir burro, saindo do cinema sem entender o que aconteceu). Nada de muito errado aí (os livros são assim), mas a cena final, que escancara um gancho para a continuação, chega a ser arrogante. Sem um ponto final, fica clara a certeza dos envolvidos de que teriam um sucesso na mãos - e uma continuação será mais que desejada pelos espectadores. Um pouco cedo para uma versão do personagem que ainda tem que provar sua relevância atual. A parcimônia de Watson não faria mal algum ao filme... mas pelo visto Guy Ritchie só tinha Sherlocks ao seu lado.

Fonte: Omelete
Autor: Érico Borgo

Artigos Relacionados

0 comentários:

Postar um comentário