26 de mai. de 2010

Crítica: O Fantástico Sr. Raposo


Wes Anderson reafirma temas e estilos em sua primeira animação infantil

Não há norma de conduta que impeça muitos dos personagens de Wes Anderson de serem o que são. Em Três é Demais, Max Fischer realmente acha que pode namorar a professora, apesar da diferença de idade. Em Os Excêntricos Tenenbaums, Margot larga o marido de repente porque nunca deixou de amar o irmão. Em A Vida Marinha com Steve Zissou, o oceanógrafo está determinado a matar um peixe raro, por vingança. São tipos que não negam sua natureza, e é essa honestidade torta que nos cativa.

"Quem sou eu?", pergunta-se o Sr. Raposo em O Fantástico Sr. Raposo, o primeiro filme animado e infantil de Anderson, adaptação da fábula Raposas e Fazendeiros, de Roald Dahl. O Sr. Raposo tem esposa e filho e trabalha em um jornal. Preocupa-se com o mercado imobiliário. Conversa com seu advogado. Em certa cena, toma café da manhã, com sua camisa branca de mangas curtas e gravata listrada; daí quando a Sra. Raposa coloca uma pilha de panquecas na frente dele, o Sr. Raposo trucida nacos da comida em dois segundos, como se tivesse perdido a razão. Como se não fosse gente.


A cena espanta pelo vigor, pela violência até, mas teoricamente não deveria - quando o personagem sorri, mostrando inteiras duas fileiras de dentes, vemos que os caninos sobressaem... Estamos falando de uma raposa, afinal. A ironia e a graça do filme é que, diante do antropomorfismo exacerbado, que transforma bichinhos peludos em adultos com crises existenciais, o que está em discussão é justamente o direito deles de serem... animais.

Ou seja, à moda de Wes Anderson, estamos, de novo, diante de um herói ao encontro de sua natureza. No caso, o Sr. Raposo uma hora percebe que a única coisa que o completa é caçar a cria dos vizinhos. Nem seria preciso dizer, mas O Fantástico Sr. Raposo tende a agradar mais os fãs do cineasta do que o seu suposto público alvo. Há muita correria no filme, algumas situações cômicas "fáceis", para a criançada, mas ele não deixa de ser típico - o Sr. Raposo lembra Royal Tenenbaum, o Raposo Filho é um loser convencido como Max Fischer, e no final rola até uma epifania à la tubarão-jaguar.

Verdade via artifício

O que a animação em stop-motion adiciona, então, à filmografia de Anderson? Digamos que ela simultaneamente potencializa e desnuda muitos dos tiques de linguagem do diretor. Aliás, A Vida Marinha já era assim, como um ensaio aberto, um constante making-of, com atores que literalmente esperavam parados no canto do quadro a ordem para se mover. O diretor parece, a todo momento, querer dividir seus métodos conosco - nem que seja, como em A Vida Marinha, flertando com a autosabotagem da encenação. Em O Fantástico Sr. Raposo é um pouco assim também.

Com o stop-motion, Anderson não só amplifica seu gosto pelo cinema tableau (os enquadramentos geométricos cheios de referências pelos cantos agora são pensados em miniatura e frame a frame) como também, ao truncar a fluência da animação, para deixá-la com cara artesanal, permite-nos enxergar seu artificialismo. Os close-ups nas lágrimas falsas das raposas e nos pêlos do rosto que se movem um a um são de um descaramento... O cinema de Wes Anderson é só pose, você diz? E o que é o stop-motion senão poses?

Da mesma forma como Anderson traz para a premissa um tema que antes era apenas subtexto em seus trabalhos (a questão da natureza incontornável dos personagens), O Fantástico Sr. Raposo também escancara a opção do diretor de buscar a sua verdade via artifício. O que ele está fazendo sempre, e ainda mais visivelmente aqui, é ir ao encontro de sua própria natureza.

Fonte: Omelete
Autor: Marcelo Hessel

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